Ataque aéreo às chamas
Pilotos em alerta máximo contra fogosRicardo Graça
Perspicácia, sangue-frio, destreza e muita concentração. Os pilotos dos meios aéreos de combate aos fogos florestais estão em alerta máximo para travar mais uma guerra contra um inimigo imprevisível. Têm nacionalidades variadas e um objectivo comum: vencer as chamas à nascença. O risco vale-lhes um ordenado mensal próximo dos cinco mil euros.
Toca a sirene no Centro de Meios Aéreos da Lousã. A tripulação do helicóptero Bell 250 corre para a pista e toma posição na aeronave. O comandante Carlos Undurraga, de nacionalidade chilena, quase nem precisa de olhar para os painéis com centenas de botões, manómetros e interruptores para accionar os motores e colocar o aparelho em acção de partir.
Ao seu lado, o major Paulo Soares recebe as instruções via rádio, enquanto os elementos do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) da GNR assumem posições nos pequenos bancos do helicóptero.
“Hotel 3, Hotel 3”, chama a operadora da Torre. “Hotel 3, transmita”, responde o co-piloto português. “Missão Semide, direcção 2, 8, 4, a oito quilómetros”, ordena a operadora. “Ok, recebido”, devolve Paulo Soares.
Em menos de cinco minutos a tripulação efectuou mais de 30 procedimentos e colocou o aparelho no ar, fazendo-o desaparecer no céu, em direcção ao incêndio. A verdadeira batalha começa aqui.
Os fogos não têm comportamentos iguais e as armadilhas no terreno são muitas. A mais pequena distracção pode ser fatal.
“Temos de estar sempre com sete olhos”, refere Paulo Soares, enquanto manobra a aeronave de porte médio, com capacidade para fazer largadas de 1200 litros de água sobre o incêndio.
O combate às chamas é difícil para todos os pilotos, mas exige ainda mais dos que manobram os helicópteros.
É preciso ter atenção ao fumo, à turbulência, mas essencialmente aos fios. “Os cabos são a nossa maior dor de cabeça. No Norte, por exemplo, é o descalabro total. Há fios por todo o lado”, relata o major.
Feita a observação inicial ao local do incêndio, a tripulação escolhe uma zona para aterrar – o mais próxima possível do fogo. O helicóptero deixa a brigada de primeira intervenção no terreno e começa de imediato o ataque às chamas. Mais uma vez, os níveis de concentração e destreza têm de estar nos limites. O balde modifica a forma de operar a aeronave e as variações repentinas de temperatura interferem com a potência dos motores. A juntar a tudo isto, surgem sempre “muitos mirones e bancadas centrais, que chegam a ignorar os perímetros de segurança” nas áreas do fogo ou dos abastecimentos, explica Paulo Soares.
Sempre que um meio aéreo chega ao teatro de operações, os bombeiros respiram de alívio. Os moradores e autarcas já não aceitam ver lavrar as chamas sem que apareça uma aeronave.
Mesmo assim, continuam a ouvir-se vozes que acusam os pilotos de provocar os incêndios para poderem combatê-los e ganhar dinheiro. O piloto português desvaloriza as suspeitas. “Isso não faz sentido porque ganhamos o mesmo, voando ou não.”
Ao contrário do que possa parecer, falar das remunerações não é assunto tabu para os pilotos. Quer Paulo Soares quer Carlos Undurraga admitem que estão no combate aos incêndios “também por questões económicas”. Há pilotos a ganhar três mil euros e outros que levam para casa dez mil euros todos os meses. Mas a média mensal “ronda os cinco mil euros”, segundo o piloto português.
O major pertence aos quadros do Exército. Ofereceu-se para integrar a Unidade de Aviação Ligeira daquele ramo das forças armadas, mas quase só voa na época de fogos florestais, porque a sua companhia nunca chegou a receber os helicópteros.
“É a única forma de conseguir voar”, afirma o militar de 39 anos, que integra o dispositivo nacional pelo quarto ano consecutivo, ao serviço da Heliportugal. Tira férias e folgas em atraso para fazer este trabalho.
O comandante chileno, ao contrário, passa a vida a combater as chamas. Com 48 anos, esteve duas décadas ao serviço do Exército do seu país. Há dez anos saiu para a aviação civil e passou a integrar o quadro de pilotos da empresa Patagónia del Pacífico, com quem a Heliportugal estabeleceu uma parceria.
Está em Portugal pela segunda vez aos comandos de um helicóptero. O ano passado ficou em Portalegre, este ano foi destacado para a Lousã. Já combateu fogos no Chile, Espanha, Canadá e Argentina.
Habituado a participar em intervenções musculadas no seu país de origem – com 14 meios aéreos em simultâneo – Carlos Undurraga encontrou uma dificuldade acrescida em Portugal. As altas temperaturas interferem no desempenho das aeronaves e é preciso muita experiência para colmatar uma eventual perda repentina de potência, diz. Fora isso, reconhece que Portugal evoluiu muito ao apostar forte na primeira intervenção, embora aconselhe mais esforço nas acções de prevenção e recomende mais celeridade no accionamento dos meios aéreos.
“Até o alerta chegar aos meios aéreos gasta-se cerca de 15 minutos em burocracia. Este tempo devia ser reduzido”, afirma o chileno.
Durante as missões, o cumprimento das normas de segurança é sagrado. No entanto, há quem acabe por “pisar o risco”, quando está em perigo a vida das pessoas. Foi o caso de Paulo Soares, que entrou com o helicóptero no fumo, há dois anos, após ouvir nas comunicações que estavam pessoas em perigo. Exceptuando esta peripécia, o piloto português nunca apanhou um susto de “deixar o coração pequenino”.
A tripulação do helicóptero estacionada no Centro de Meios Aéreos da Lousã (a do Canadair não foi autorizada a falar pela Aeronorte) aproveita os tempos livres para conhecer melhor o terreno de combate ou contactar com as famílias, através da internet. Independentemente da quantidade ou gravidade dos incêndios, têm como máxima que é preciso “ir e voltar”.
"CAÍMOS A CINCO MIL METROS" (José Sanches, 52 anos, chileno, mecânico de helicópteros e aviões)
Correio da Manhã – Que tipo de manutenção tem de fazer no helicóptero?
José Sanches – Faço uma inspecção visual ao aparelho todos os dias de manhã e ao final da tarde. Tenho especial atenção aos hidráulicos e à limpeza, pois uma aeronave limpa é mais fácil de inspeccionar. A manutenção é essencial para proporcionar um voo seguro e prevenir antes que aconteça algum problema.
– Há quanto tempo é mecânico de aeronaves?
– Há 33 anos. E não me canso. As máquinas têm vida. Comunicam connosco. Algum som estranho indica- -nos que existem problemas. E a leitura dos instrumentos é fundamental. Temos de acreditar naquilo que nos estão a transmitir. As aeronaves avisam sempre antes de haver algum problema.
– O helicóptero que está ao seu cuidado é um pouco antigo?
– A estrutura tem 40 anos, mas o equipamento electrónico foi todo mudado e actualizado.
– Já sofreu algum acidente aéreo?
– Sim, em 1978, com um Alouette III. Ia a cinco mil metros de altitude, com uma carregamento para uma empresa mineira, e estatelou-se no solo. Sofremos todos ferimentos graves e eu fiquei três meses internado no hospital.
– Ficou com medo de voltar a voar?
– Não, fiquei ainda mais louco. Quando sai do hospital fui directo à empresa e pedi para voar, para perceber o que sentia. E senti-me muito bem.
– Como se relaciona o mecânico com os pilotos?
– A nossa relação tem de ser de grande amizade e cumplicidade. Somos como uma família e falamos a mesma linguagem, que é a segurança da aeronave.
– Como é que a sua família encara as ausências prolongadas?
– Sou casado e tenho cinco filhos, todos maiores. A família sempre me apoiou muito, pois estas missões são vantajosas em termos económicos.
– Participa no combate aos incêndios no Chile, depois vem para Portugal.
– É verdade. Deixamos a época de incêndios no Chile e vimos para Portugal. É outro Verão, mas sem podermos ir à praia.
– É a primeira vez que está em Portugal?
– Não, é a segunda.
– Encontra muitas diferenças entre os dois países?
– Não, nem por isso. O povo português é muito amável e muito parecido com o chileno.
CANDIDATOS SÓ COM MAIS DE DEZ MIL HORAS
Um piloto precisa de ter um mínio de mil horas de voo para poder integrar o dispositivo aéreo de combate aos incêndios. Antes de partir para o ataque às chamas tira um curso de adaptação ao meio aéreo que vai pilotar, recebe formação para trabalhar com o balde e algumas explicações técnicas sobre fogos florestais. Depois, cumpre horário das 09h00 às 20h00. Se não houver voos, pode estar ao serviço até um máximo de 15 dias, com uma folga pelo meio. As normas de segurança exigem que descanse um período mínimo de dez horas e que se faça uma pausa por cada três horas de voo. Está proibido de ingerir bebidas alcoólicas e precisa de ter um grau de prontidão e disponibilidade elevado. Como não podem ausentar-se, os pilotos costumam fazer caminhadas na pista para manter a forma física. As comunicações com a torre do Centro de Meios Aéreos e com o comandante operacional são sempre feitas por pilotos portugueses.
2007 COM MENOS INCÊNDIOS
O clima húmido que se fez sentir durante o mês de Junho limitou o número de incêndios em relação aos anos anteriores. Em Julho chegou o calor, mas o número de ocorrências e a àrea ardida continuam abaixo da média. Até 15 de Julho, há registos de 473 incêndios florestais e 3338 fogachos (menos de um hectare consumido).
Em 2006, pela mesma altura, já tinham acontecido 1205 incêndios e 6801 fogachos. Quanto à área ardida, a diferença é ainda maior. De acordo com os dados da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, arderam 1277 hectares de área florestal e 1059 de povoamentos . Em 2006, o balanço desta altura apontava para 6845 hectares de florestas e 9959 de povoamentos queimados.
Quanto à distribuição geográfica dos fogos, os números mostram que o Norte do País tem sido mais castigado pelos fogos. O distrito de Braga é o que regista mais incêndios, com 76 registos até 30 de Junho. Seguem-se os distrito de Vila Real, com 68 hectares de floresta ardida, e o de Viana do Castelo, com 46.
Juntando o número de incêndios e de fogachos, o distrito do Porto é o que regista mais ocorrências, com 609, seguido do de Braga, com 477. A Sul, o distrito de Setúbal lidera as ocorrências (338), mas apenas 28 se referem a incêndios com mais de um hectare de área ardida.
FAZ PREVENÇÃO COM 920 BLOGUES
Criado no Centro de Operações e Técnicas Florestais da Lousã, David Lopes, 24 anos, desenvolveu o projecto Floresta Unida, que assenta numa rede de blogues destinada a reunir informação e promover acções de prevenção, formação e apoio aos meios de combate aos incêndios. “Não queremos só dar as ideias, tentamos também ajudar a aplicar novas técnicas e ferramentas”, explica o jovem, que nos últimos quatro anos já criou “perto de 920 blogues” ao abrigo do projecto. Além da promoção de campanhas de reflorestação e da pesquisa de novas ferramentas para ataque aos incêndios, o jovem pretende, acima de tudo, contribuir para mudar mentalidades. “O nosso objectivo é levar as crianças a gostarem mais do verde do que das chamas”, refere David Lopes. O projecto tem o apoio da Direcção-Geral de Florestas, do Projecto Fire Paradox e da Guarda Nacional Republicana.
DISPOSITIVO REFORÇADO COM EQUIPAMENTOS E INFRA-ESTRUTURAS
MEIOS
A Fase Charlie, em vigor entre 1 de Julho e 30 de Setembro, tem mobilizados 52 meios aéreos, que estão estacionados em 18 aeródromos ou helipistas de Norte a Sul.
BERIEV
Este ano foram contratados dois aviões Beriev 200, com capacidade para descargas de 12 mil litros de água. O aluguer custa 2,5 milhões de euros, mais 9300 euros por hora de voo.
HELIS
O dispositivo conta com 34 helicópteros, sendo 28 bombardeiros médios e ligeiros e os restantes pesados, modelo Kamov, semelhantes aos que o Governo adquiriu à Rússia.
PISTA
O Estado vai investir 15 milhões de euros na construção de uma base aérea, em Ponte de Sor. A infra-estrutura destina-se a receber os helis e aviões de combate aos fogos.
EMPRESA
O Ministério da Administração Interna criou a Empresa de Meios Aéreos (EMA) para gerir a frota de aeronaves adquiridas pelo Governo. O capital social é de 54 milhões de euros.
GPS
Os pilotos têm todos os pontos de água registados num aparelho GPS, que lhes serve de auxílio nas acções de combate. As coordenadas foram todas actualizadas este ano, durante os períodos em que não houve fogos.
MEDICAMENTOS
O helicóptero está equipado com uma caixa de primeiros socorros para o caso de haver algum pequeno acidente com a tripulação ou com os elementos das brigadas helitransportadas. Além dos habituais adesivos, tem medicamentos para os cuidados primários.
DROMADER
É um avião ligeiro de fabrico polaco com capacidade para 2200 litros de água. Atinge velocidades de 237 km/hora e pode operar durante hora e meia.
PRONTIDÃO
A rápida intervenção dos meios aéreos ajuda a que a maioria dos fogos tenha sido extinta antes que a sua dimensão ultrapasse a área de um hectare.
COMBATE AOS INCÊNDIOS
FASE CHARLIE (1 de Julho a 30 de Setembro)
DISTRIBUIÇÃO DE MEIOS AÉREOS
TOTAL – 52
Helicópteros bombardeiros médios/ligeiros – 28
Helicópteros pesados modelo Kamov – 6
Aviões aerotanques ligeiros médios – 14
Aerotanques pesados modelos Beriev/Canadair – 4
VIANA DO CASTELO – Heli pesado
VILA REAL – 2 Heli ligeiro/médio; 2 Avião aerotanque
BRAGANÇA - 2 Heli ligeiro/médio
BRAGA - 2 Heli ligeiro/médio
PORTO - Heli pesado
AVEIRO - 2 Heli ligeiro/médio
VISEU - 3 Heli ligeiro/médio: 2 Avião aerotanque ligeiro/médio
GUARDA - 3 Heli ligeiro/médio: 2 Aerotanque pesado
COIMBRA - Heli ligeiro/médio; Heli pesado; 3 Avião aerotanque ligeiro/médio
CASTELO BRANCO - 2 Heli ligeiro/médio; Heli pesado; 4 Avião aerotanque ligeiro/médio
LEIRIA - Heli ligeiro/médio ; Avião aerotanque ligeiro/médio; 2 Aerotanque pesado
SANTARÉM – 2 Heli ligeiro/médio; Heli pesado; 2 Aerotanque pesado
PORTALEGRE - Heli ligeiro/médio; Aerotanque pesado
LISBOA - Heli ligeiro/médio
ÉVORA - Heli ligeiro/médio
SETÚBAL - Heli ligeiro/médio
BEJA - Heli ligeiro/médio
FARO – 3 Heli ligeiro/médio
NÚMRO DE FOGOS POR DISTRITO (Até 30 de Junho)
Viana do Castelo – 156
Bragança – 84
Braga – 427
Vila Real – 200
Porto – 481
Viseu – 191
Aveiro – 276
Guarda – 97
Coimbra – 70
C. Branco – 51
Leiria – 127
Santarém – 145
Portalegre – 24
Lisboa – 240
Setúbal – 260
Évora – 21
Beja – 21
Faro - 251