António Costa: “O país ainda endeusa quem está no poder”
Decorridos dois anos de mandato, o Governo mantém firme o “espírito reformista”. Para demonstrar que a garantia não é retórica, o número dois do Executivo tem entre mãos uma das mais esperadas e (já) polémicas reorganizações: do sistema de segurança interna. Às portas de mais um Verão, período sempre crítico de incêndios, e da presidência da União Europeia, trabalho não falta a António Costa.
A recente criação do Sistema Integrado de Segurança Interna, presidido por um secretário-geral que será um autêntico super-polícia e reportará directamente ao primeiro-ministro, já foi considerada a “pedra angular” da reorganização das forças de segurança. O gabinete de Imprensa do primeiro-ministro, contudo, já referiu que a tutela poderá ser delegada em si. Será assim? Poderá vir a ser o super-ministro das polícias?
Em primeiro lugar, o secretário-geral do Sistema Integrado de Segurança Interna não será um super-polícia nem será um super-homem. Terá basicamente funções de articulação, coordenação e só em situações excepcionais, como um terramoto ou um atentado terrorista em larga escala é que terá funções de direcção, comando e controlo. Nós temos um sistema plural de forças e serviços e para que as vantagens desse sistema plural se confirmem é essencial que haja um mecanismo de coordenação eficaz. O que se faz é, digamos, um “upgrade” relativamente ao actual Gabinete Coordenador de Segurança e às funções do secretário-geral do Gabinete. Não é mais do que isso.
A Oposição já levantou dúvidas quanto às garantias de separação de poderes, relativamente ao Conselho Superior de Investigação Criminal, uma vez que este passará a ser presidido pelo primeiro-ministro e passará também a ter assento a Procuradoria-Geral da República. Que garantias dará a futura legislação de não interferência do Gvoerno no plano da investigação criminal?
São questões distintas. Na revisão que o Ministério da Justiça promoverá da Lei da Organização da Investigação Criminal haverá uma alteração do já existente Conselho Coordenador da Investigação Criminal, que hoje é co-presidido pelos ministros da Justiça e da Administração Interna e em que, por direito próprio ou a convite, o procurador-geral da República pode participar. O que resulta da resolução do Conselho de Ministros é que esta possibilidade passará a ser uma regra. Eu, que estive na origem da redacção da actual lei, lembro-me bem por que é que foi acertada aquela redacção com o então procurador-geral, dr. Cunha Rodrigues. Visava precisamente permitir ao procurador participar, sem que estivesse numa posição de alguma subalternidade institucional relativamente aos ministros.
Garante, portanto, total autonomia?
Não é preciso garantir, mais importante do que eu possa dizer é o que está escrito na Constituição. Aliás, nas resoluções do Conselho de Ministros, convém não confundir o que são as missões de segurança interna com as de investigação criminal. As funções de coordenação que o secretário-geral do SISI exerce são no domínio da segurança interna e da segurança. Quanto à investigação criminal, não intervém nem pode intervir. Aí a coordenação é assegurada por quem tem a direcção da investigação criminal, que é o Ministério Público.
Pediu ao comando-geral da GNR e à direcção nacional da PSP para que num prazo máximo de 45 dias apresentassem as propostas finais de reorganização do dispositivo. Quando é que poderemos começar a notar reflexos das mudanças no terreno?
No caso da PSP, há um trabalho bastante adiantado relativamente aos concelhos do Porto e de Lisboa e vai brevemente, no prazo fixado, apresentar propostas no que diz respeito à reestruturação nas áreas metropolitanas. A situação da GNR é diferente, tem mais de 440 postos disseminados pelo país. Numa perspectiva de racionalização obviamente encerrarão postos, mas nunca perdendo de vista que a função que justifica a existência da GNR como força militar e distinta da PSP é a necessidade de termos uma cobertura bastante próxima do conjunto do território, o que implicará sempre uma grande capilaridade da presença da GNR. 440 é certamente um exagero, mas não é de esperar uma redução muito significativa do número de postos. Acho que seria um erro, que afastaria a força das populações. Agora é preciso termos a noção de não confundir proximidade com a existência de um posto, proximidade é termos um policiamento e presença junto das pessoas e a capacidade de responder aos problemas de segurança que se colocam às populações.
Não pode então adiantar já um calendário?
O calendário está fixado, teremos que receber as propostas e depois analisá-las. Algumas das medidas que constam das resoluções, essas, podem desde já ser tomadas. Nas próximas semanas já se verificará uma clarificação, no terreno, das áreas de jurisdição da PSP e da GNR no que diz respeito às freguesias partilhadas. Estamos neste momento a calendarizar as mutações entre a PSP e a GNR, nas áreas metropolitanas, em que há um reajustamento de competências. A reconstituição dos grupos é algo que podemos fazer desde já, não carece de alteração da lei orgânica. Outras alterações só serão possíveis depois da aprovação das novas leis orgânicas, o que passa pela aprovação prévia pela Assembleia da República. É o caso da extinção das brigadas, que são unidades criadas por lei, portanto só por lei podem ser extintas.
As medidas anunciadas causaram alguma perturbação entre altas patentes do exército e da GNR. Houve encontros com o chefe de Estado-Maior do Exército, que se manifestou solidário com os oficiais-generais. Sente que conta com o envolvimento efectivo dos militares da GNR?
Não só conto com o envolvimento institucional da GNR como conto com o empenhamento de todos os militares que servem presentemente a GNR, desde as praças aos srs generais. Eu tive oportunidade de falar não só com os srs. generais, como também reuni com o chefe de Estado-Maior do Exército. Tive oportunidade de explicar de viva voz esta reforma e também de ter em conta o seu ponto de vista.
Mas os pontos de vista convergem?
Nós temos de distinguir quais são as perspectivas das soluções de cada um. Quando apresentamos um conjunto de linhas gerais, é natural que se suscitem dúvidas que só a regulamentação legal virá esclarecer. Nesse quadro legal muitas dúvidas que têm sido suscitadas poderão ser esclarecidas. Por exemplo, uma dúvida que muitas vezes foi levantada é a formação. Houve alguns srs oficiais que pensaram que, quando nós referimos a existência de formações conjuntas ou modelos comuns, que os militares da Guarda deixariam de ser formados na Academia Militar e iriam ser formados numa escola com a Polícia. Não é isso que consta da resolução, já foi explicado e muita dessa primeira apreensão, creio que hoje está ultrapassada.
Estamos a duas semanas da entrega do Relatório Anual de Segurança Interna no Parlamento. Existe já um indicador, a criminalidade participada aumentou cerca de 3%. Quando teremos os dados completos do relatório?
Não vou dizer nada, visto que o Gabinete Coordenador de Segurança ainda não me enviou sequer um projecto desse relatório. Conheço alguns dos relatórios parcelares das forças, mas têm de ser consolidados no relatório final. Está já fixado o calendário das sucessivas reuniões e teríamos gosto se este ano fosse possível cumprir o calendário de entrega à Assembleia da República.
Portanto não vai comentar os números, visto que ainda não os conhece?
Não vou dar palpites sobre os números.
Com a extinção da Brigada de Trânsito, como será assegurada a especialização na fiscalização?
Nós tínhamos um comando-geral que assegurava a unidade do dispositivo territorial e depois tínhamos a triplicação dessas estruturas de apoio, muitas vezes com a Brigada Fiscal e a Brigada de Trânsito. No limite, numa mesma viagem podíamos ser interceptados por três operações diferentes, uma a tratar só de matérias de trânsito, outra só de matérias fiscais e outra de tudo. Com esta extinção, criamos sinergias no funcionamento da Guarda, rentabilizamos o conjunto do dispositivo, mas não iremos perder essa especialização. Por isso iremos ter uma unidade técnica em matéria de trânsito no comando-geral que continuará a formar especialistas em matéria de trânsito, como formamos especialistas em investigação criminal ou como formamos especialistas na protecção da Natureza, sem que isso tenha implicado a criação de uma brigada criminal ou de uma brigada de protecção da natureza. Na mesma operação Stop poderemos ter alguém do dispositivo territorial, alguém do trânsito e até alguém da componente fiscal.
A redução da sinistralidade foi definida como prioridade desde início do mandato. Apesar da descida do número de vítimas em 2006, há no sector a opinião generalizada de que os resultados não se devem a uma política integrada, mas a alguma casualidade. O ano passado foi, aliás, marcado por polémicas em torno dos concursos para acções de prevenção. Reconhece que é uma das áreas sob sua tutela em que mais tem faltado estratégia?
Essa é uma das áreas em que nunca nos podemos dar por satisfeitos. Não obstante uma grande redução quer da sinistralidade, quer do número de mortos e de feridos graves, temos ainda números extremamente elevados para aquilo que é desejável. Esta reforma da Brigada de Trânsito vai permitir rebalancear melhor a fiscalização, que incide hoje muito nas auto-estradas, IP e IC, para as estradas nacionais e municipais, vias onde a taxa de sinistralidade ainda se mantém muito acima da média europeia. O problema estratégico é outro. Houve um plano aprovado, ainda no tempo do anterior Governo, que fixava um conjunto de metas tidas como muito ambiciosas e aquilo que constatámos é que os resultados alcançados excederam em muito as melhores expectativas que se tinham à data da elaboração do plano. O problema estratégico que hoje se põe é a necessidade de termos um novo plano nacional de prevenção rodoviária que actualize as metas e que permita ir mais longe.
Plano que está atrasado, atendendo a que o secretário de Estado tinha anunciado, no Parlamento, que estaria pronto até final do ano passado.
É certo. Já está encomendada a elaboração desse novo plano. É também verdade que nem tudo correu bem no lançamento do concurso. A ideia era virtuosa e continua a ser, no ano passado não correu bem e teve de ser anulado, o concurso este ano já correu melhor e na semana passada já foram apresentados os projectos que surgiram da sociedade civil e ganharam os primeiros apoios para 2007. Espero que a partir deste ano continue a correr bem. O essencial é que possamos assumir o princípio de que os apoios financeiros devem ser feitos de forma transparente, uma inovação essencial. Hoje temos felizmente em Portugal uma multiplicidade de associações que o Governo não pode ignorar e que deve tratar de acordo com o princípio da igualdade.
Voltando ao plano, qual é a data em que espera tê-lo concluído?
Eu preferia não me comprometer com nenhuma data. Sei que a equipa do ISCTE que está a coordenar esse trabalho está a fazer um esforço muito grande de rápida execução, vamos confiar no seu trabalho. Não devemos é ficar imóveis até termos esse plano. Há medidas do anterior que devem continuar a ser executadas e sobretudo não há razão particular de angústia quando o que se verifica em relação ao plano aprovado e em execução é que os resultados excedem as expectativas.
A lei orgânica da ANSR já foi aprovada há dois meses, mas não são conhecidas nem sequer as linhas gerais, o que tem até causado alguma incerteza e saídas de funcionários nas delegações regionais. Com que quadro e em que moldes irá funcionar a futura Autoridade?
Neste momento aguardamos que as leis orgânicas sejam promulgadas pelo sr. presidente da República para podermos dar posse aos dirigentes do ministério. Neste momento está feita a separação das águas entre as competências da DGV que se mantêm e as que transitam para o Ministério das Obras Públicas, estão identificados os meios e recursos, o que nos permitirá concentrar naquilo que tem a ver com segurança rodoviária, com prevenção e fiscalização, em matéria de contra-ordenações.
No ano passado foi criada uma comissão para avaliar e propor um nosso sistema de contra-ordenações. Alguma das recomendações vai ser acolhida?
Não é só da comissão, neste momento já temos o estudo da auditoria, estamos neste momento em fase de elaboração legislativa. Vamos ter um novo sistema de contra-ordenações de trânsito, que vai permitir racionalizar melhor os meios da GNR e da PSP na gestão das contra-ordenações e permitir-nos-á eliminar os pontos de engarrafamento que têm sido responsáveis pelo escândalo nacional que é o nível de prescrições.
A área da imigração foi a única que não foi alvo de estudos externos. Quanto é que o seu ministério já gastou em estudos?
Não sei dizer, no conjunto, quando é que já se gastou em estudos, mas tem sido um custo relativamente moderado tendo o conta o que é o manancial de estudos no conjunto do orçamento geral do Estado. O Governo não deve decidir sem estudar e não deve ter complexos de recorrer a estudos externos, sobretudo num ministério como o da Administração Interna que, tendo 50 mil efectivos, basicamente são todos consumidos na GNR, PSP e SEF. Fora destas três forças são menos de 300 funcionários. O Ministério não desenvolveu um serviço próprio, designadamente um gabinete de estudos. Pela primeira vez, com a nova lei orgânica e com a criação da Direcção-Geral da Administração Interna, vamos ter um centro de produção de conhecimento e de saber, em matéria de segurança interna. Uma das coisas que mais me entristece no tratamento público da questão é não nos habituarmos que estudo significa a análise por uma entidade independente de um problema e a proposta de um conjunto de soluções. Uma vez proposto, quer o Governo, quer as oposições, quer a opinião pública dispõem de mais instrumentos para poderem decidir e avaliar a decisão, mas não quer dizer que seja a prescrição de uma receita médica que nós tenhamos de cumprir com carácter obrigatório e urgente. Seria um disparate se assim acontecesse.
Uma das áreas alvo de estudo foi a Protecção Civil. Apesar de já ter sido aprovada, a lei orgânica da futura Autoridade Nacional tem sido mantida em grande secretismo. O que está a acontecer, quando estamos às portas de mais um período de risco de incêndio?
Não há mistério nenhum. Nós não divulgamos as leis orgânicas enquanto não estiverem promulgadas pelo sr. presidente da República. Não nos podemos nem devemos antecipar ao exercício das competências do sr. presidente da República.
A constituição da Empresa de Meios Aéreos tem tido algumas perturbações, com dificuldades nomeadamente na contratação de pilotos e problemas na certificação dos helicópteros Kamov. Todos os problemas vão estar resolvidos até Maio?
Toda esta operação tem-se desenvolvido em contra-relógio, desde o processo de concurso, da contratação, da construção e aprontamento dos helicópteros... A empresa informou-nos muito recentemente que em Maio iniciará a entrega dos helicópteros. Por outro lado está a decorrer o processo de constituição da empresa e contratação e formação de pilotos. É evidente que não é fácil, porque se trata de um salto qualitativo muito grande. Conhecemos a situação de rigor que o país atravessa em matéria de contratações, portanto não tem sido fácil ao Estado concorrer com o mercado na angariação de pilotos para esta empresa. E estamos a falar de uma fase de transição, visto que a prazo teremos pessoal da GNR formada para operar com os helicópteros.
Dentro de quanto tempo?
Temos aqui um período de transição que vai de um mínimo de três a um máximo de sete anos, para o conjunto das funções. Há funções em que só daqui a três anos teremos militares da Guarda, outras que só daqui a cinco vão ser desempenhadas e as mais exigentes, de comando, só daqui a sete ou oito anos é que teremos militares da Guarda para exercer essa função. Nós não pudemos dispor, foi uma questão muito insistente que a Força Aérea nos colocou, de pilotos da Força Aérea, mesmo dos pilotos da esquadrilha dos helicópteros do Exército, que têm muitos deles aliás boa experiência de combate a incêndios – tenho encontrado, durante o Verão, muitos deles a trabalhar para as empresas privadas que combatem os incêndios florestais.
Quais são então as razões para não poderem operar na Empresa de Meios Aéreos?
Quer o Exército, quer a Força Aérea necessitam desses elementos para a sua própria actividade e não têm condições de os disponibilizar. Portanto nós temos de formar, à parte. O processo não é simples, mas estou confiante que chegaremos à altura de operar os helicópteros com condições para o fazer.
O país viveu meses suspenso da novela de negociação para aquisição de aviões com a empresa Beriev. Soube-se agora que a negociação, ao abrigo da dívida antiga da Federação Russa, se esgotou e vai ser aberto concurso público. Simultaneamente, contudo, o MAI lança um concurso adicional para aluguer de meios adicionais para este ano, à medida da Beriev, já que pede aviões com capacidade para mais de 10 mil litros, ao qual só esta empresa pode responder. Pode explicar os contornos de toda esta situação confusa?
São duas situações distintas. Diversa da aquisição é o reforço dos meios pesados para este ano. Temos um contrato plurianual que nos permitiu alugar dois aviões Canadair e abrimos agora um concurso para aviões com mais de dez mil litros. Não se pode dizer que seja um concurso à medida do Beriev. Temos sido contactados por outras entidades que dizem dispor de outros aviões com essa capacidade. É por isso que não fizemos ajuste directo e formos forçados a abrir concurso. Se só houvesse Beriev, como sempre foi nossa convicção, teríamos feito um ajuste directo.
Que entidades são essas?
Creio que se referem a aviões com capacidade para dez mil litros, mas que não são anfíbios, portanto são operados em terra – tendo a mesma capacidade, em teoria têm um tempo de rotação em terra e abastecimento muito superior ao Beriev. Abrimos o concurso, venha quem vier em condições de desempenhar as missões e adjudicaremos a quem oferecer as melhores condições.
Uma das suas apostas foi a nova Lei da Imigração, que está na Assembleia há quase seis meses. Como está a gerir todo este processo?
A proposta de lei foi aprovada na generalidade, com um consenso político muito amplo, e estão a decorrer os trabalhos na especialidade, na 1ª comissão. Na semana passada terminou o prazo para os diferentes grupos parlamentares apresentarem propostas de alteração na especialidade. Tem havido contacto com o sr. secretário de Estado José Magalhães, dos grupos parlamentares, tendo em vista a melhoria da lei. A imigração é uma matéria em relação à qual não seria desejável que fosse uma temática de confrontação política. O nosso esforço é para termos um bom consenso.
Mas o seu objectivo seria ter esta lei em vigor quando Portugal assumir a presidência da União Europeia?
Gostaríamos. Por outro lado temos aproveitado este período de trabalho parlamentar para irmos criando as condições materiais para uma imediata execução e aplicação da lei, não estamos com tempo perdido. Não podemos nem devemos pressionar os trabalhos, e creio que mais importante do que saber se é aprovada em um ou em dois meses é que seja aprovada uma boa lei, com amplo consenso.
Está concluído o plano de contingência para a costa portuguesa, que visa responder a uma eventual afluência de imigrantes clandestinos. Que tipo de respostas e mecanismos prevê?
É um plano integrado, começa com uma parte de informações essenciais à prevenção do que possa acontecer, de relacionamento com países de origem e trânsito, para detecção atempada de qualquer sinal que devamos ter em conta. Tem depois uma segunda dimensão, que tem a ver com a forma como devemos bloquear o acesso à fronteira marítima ou acolher, em situações de risco humanitário, as pessoas que sejam encontradas nas nossas águas territoriais ou próximo. Tem depois uma terceira dimensão que tem a ver com o acolhimento já em terra. Portanto uma dimensão verdadeiramente policial e também uma dimensão humanitária, porque o que temos visto noutros países é que são pessoas que se encontram por norma numa situação de grande fragilidade física, psíquica e social.
As associações de imigrantes e ONG já têm conhecimento do plano?
Não, estamos na fase de afinar a articulação entre as entidades da Administração Central, há agora que articular com as entidades municipais e com as entidades da sociedade civil. Temos tido aliás boas experiências de colaboração com a sociedade civil e julgamos que é uma boa prática a desenvolver a nível europeu. Temos de ter a noção de que quem é criminoso na imigração ilegal são as redes que auxiliam, o criminoso não é quem imigra. Pode ter violado a lei, mas tem de ser tratado no escrupuloso respeito pelos direitos humanos e pela sua dignidade.
O Governo vai entrar na segunda metade do mandato com a maioria das reformas por concluir, nomeadamente a da Administração Pública. Que implicações pode ter esse atraso e como perspectiva a consolidação das reformas, numa fase naturalmente mais difícil para o Executivo?
O primeiro-ministro já deu um sinal claro de que, estando nós a chegar a dois anos de mandato - não diria ao meio do mandato, porque esta legislatura é de quatro anos e meio -, o Governo não quebrou o seu espírito reformista. Há 15 dias o primeiro-ministro anunciou uma grande reforma de segurança interna, na semana passada o ministro das Finanças pôde anunciar a do regime de carreiras e vínculos na Função Pública. Portanto o Governo não dá por encerrado o seu empenho reformista nesta primeira metade do mandato, não tenhamos essa ilusão. Em segundo lugar, a reforma do Estado faz-se em diferentes dimensões. Há uma dimensão orgânica e o Governo já concluiu, ao seu nível, todo o processo de revisão das leis orgânicas, temos agora a fase muito difícil da sua aplicação e implementação. É um processo que vamos prosseguir, a par da chave da sustentabilidade da reforma da Função Pública, que tem a ver com a simplificação administrativa e dos procedimentos, sem a qual toda esta cura de emagrecimento orgânico rapidamente dará lugar a uma engorda rápida.
O estado de graça deste Governo já terminou, como é natural. Como comenta a maior manifestação dos últimos anos, que saiu à rua há pouco mais de uma semana?
Esse tema dos estados de graça é dos mais curiosos da Comunicação Social, porque a verdade é que desde quase o primeiro dia que este Governo tomou posse e começou a fazer reformas tem sido confrontado com grandes manifestações. Só na Administração Interna tivemos logo nos primeiros dias de mandato duas grandes manifestações com mais de cinco mil homens, da PSP e da GNR, quando foi a reforma do sistema de saúde e da segurança social e da aposentação dos elementos das forças de segurança. Num estado democrático é normal haver manifestações. O Governo deve ter em conta obviamente esses sinais da opinião pública, mas deve manter-se firme na execução do seu programa e das reformas que tem em curso.
A partir de 1 de Julho o primeiro-ministro vai andar necessariamente ausente nos Estados-membros, já que Portugal assume a presidência da União Europeia. Como pensa, nessas ausências, liderar o Executivo, tendo já um ministério tão vasto e um período crítico de incêndios pela frente?
O primeiro-ministro é o engenheiro José Sócrates e eu irei apenas substituí-lo nas suas ausências, quando ele entender que deva ser eu a fazer essa missão. A presidência portuguesa não vai ser um momento de interrupção da acção governativa, não há um intervalo durante seis meses, ninguém pensaria o contrário. Eu no Verão tenho estado mais disponível por uma razão óbvia: como é sabido o ministro da Administração Interna não pode fazer férias durante os meses de Verão, porque apesar de não haver época oficial de incêndios há obviamente uma situação de maior risco nessa altura, portanto tive de reorganizar a minha vida pessoal e familiar para fazer férias noutras épocas do ano.
Não está prevista qualquer reorganização interna para o período da presidência portuguesa?
Não, não está prevista. O primeiro-ministro manterá o exercício pleno das suas funções.
Já se percebeu que não haverá intenção de remodelações antes da presidência da União Europeia. Depois desta terminar seria um bom ‘timing’?
Essa é uma matéria a que só o primeiro-ministro pode responder. Ele é que sabe, é uma matéria da competência exclusiva do primeiro-ministro. Quem julga poder opinar sobre isso, provavelmente engana-se.
Considera inevitável a realização de eleições intercalares na câmara de Lisboa? Como tem assistido ao facto de o seu nome ser insistentemente apontado como aposta do partido socialista para uma eventual corrida à câmara da capital?
Neste momento tenho uma missão que me exige uma concentração a 150% e é nesses 150% que estou concentrado, tendo neste momento lançada uma grande reforma do sistema de segurança interna, a concluir um processo de reforma na protecção civil, aproximam-se os meses de Verão, que certamente serão muito duros, temos nova legislação em fase de conclusão, temos a modernização da Administração Pública, não faltam matérias muito interessantes que me apaixonam e que mobilizam todas as minhas energias.
Mas perante um cenário em que o secretário-geral do PS lhe pedisse, estaria disponível?
Não há espaço para cenários, neste momento. Além do mais, a Câmara de Lisboa tem um presidente que está a cumprir o exercício das suas funções e eu sobre essa matéria não devo sequer falar, tendo eu nas minhas competências a tutela das autarquias locais. Gostaria de sinalizar que tenho mantido sempre um excelente relacionamento com a Câmara de Lisboa e com o seu presidente, Carmona Rodrigues.
Os partidos à Direita vivem um momento de agitação, com o regresso anunciado de Paulo Portas e movimentações de Pedro Santana Lopes. Como é que se assiste, no poder, a estas mudanças do lado da Oposição?
Vou assistindo como sinal de algum esgotamento à Direita que as tentativas de renovação à Direita sejam simplesmente o regresso de dois grandes derrotados das últimas eleições legislativas. Acho um sinal até preocupante de alguma incapacidade de renovação dos partidos à nossa Direita. Ver o dr. Portas como uma lufada de ar fresco ou como um sinal de renovação do CDS/PP só pode ser mesmo um sketch do “Gato Fedorento”, é altamente risível a atribuição desse papel de renovador ao dr. Portas. Convém não esquecer: é uma personificação do fracasso da estratégia governativa conduzida durante três anos pela maioria CDS-PSD.
Seria desejável para o Governo ter uma Oposição forte, que estimulasse e motivasse a governação e execução dos seus programas?
Este Governo sente-se suficientemente motivado pelos problemas que existem e que tem de enfrentar e resolver. Há uma crítica que nunca vi ninguém fazer e que seria injusto fazer: que é este Governo ter falta de vontade de atacar e resolver os problemas. Os regimes democráticos pressupõem oposições fortes, mas também devo dizer que desde 87 até agora, para além do estado de graça há outra figura que permanece constante na vida política portuguesa, que é a fragilidade das oposições. Já tivemos as pessoas mais extraordinárias como líderes da Oposição, desde o dr. Vítor Constâncio ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa e sempre a retórica foi a mesma, que as oposições eram fracas, eram más. O país ainda está excessivamente fixado no endeusamento de quem está no poder e isso acontece sempre assim até à véspera daquele dia em que se constata que houve uma mudança. Eu acho que não devemos nunca desvalorizar as oposições. Eu sei bem que quando se está na oposição se ouve sempre dizer essas coisas, até ao dia em que, para surpresa dos analistas, o povo acaba por escolher a oposição. Creio que não estamos nesse cenário, mas devo dizer que a função política mais exigente que existe em Portugal é tentar liderar a oposição.
A recente criação do Sistema Integrado de Segurança Interna, presidido por um secretário-geral que será um autêntico super-polícia e reportará directamente ao primeiro-ministro, já foi considerada a “pedra angular” da reorganização das forças de segurança. O gabinete de Imprensa do primeiro-ministro, contudo, já referiu que a tutela poderá ser delegada em si. Será assim? Poderá vir a ser o super-ministro das polícias?
Em primeiro lugar, o secretário-geral do Sistema Integrado de Segurança Interna não será um super-polícia nem será um super-homem. Terá basicamente funções de articulação, coordenação e só em situações excepcionais, como um terramoto ou um atentado terrorista em larga escala é que terá funções de direcção, comando e controlo. Nós temos um sistema plural de forças e serviços e para que as vantagens desse sistema plural se confirmem é essencial que haja um mecanismo de coordenação eficaz. O que se faz é, digamos, um “upgrade” relativamente ao actual Gabinete Coordenador de Segurança e às funções do secretário-geral do Gabinete. Não é mais do que isso.
A Oposição já levantou dúvidas quanto às garantias de separação de poderes, relativamente ao Conselho Superior de Investigação Criminal, uma vez que este passará a ser presidido pelo primeiro-ministro e passará também a ter assento a Procuradoria-Geral da República. Que garantias dará a futura legislação de não interferência do Gvoerno no plano da investigação criminal?
São questões distintas. Na revisão que o Ministério da Justiça promoverá da Lei da Organização da Investigação Criminal haverá uma alteração do já existente Conselho Coordenador da Investigação Criminal, que hoje é co-presidido pelos ministros da Justiça e da Administração Interna e em que, por direito próprio ou a convite, o procurador-geral da República pode participar. O que resulta da resolução do Conselho de Ministros é que esta possibilidade passará a ser uma regra. Eu, que estive na origem da redacção da actual lei, lembro-me bem por que é que foi acertada aquela redacção com o então procurador-geral, dr. Cunha Rodrigues. Visava precisamente permitir ao procurador participar, sem que estivesse numa posição de alguma subalternidade institucional relativamente aos ministros.
Garante, portanto, total autonomia?
Não é preciso garantir, mais importante do que eu possa dizer é o que está escrito na Constituição. Aliás, nas resoluções do Conselho de Ministros, convém não confundir o que são as missões de segurança interna com as de investigação criminal. As funções de coordenação que o secretário-geral do SISI exerce são no domínio da segurança interna e da segurança. Quanto à investigação criminal, não intervém nem pode intervir. Aí a coordenação é assegurada por quem tem a direcção da investigação criminal, que é o Ministério Público.
Pediu ao comando-geral da GNR e à direcção nacional da PSP para que num prazo máximo de 45 dias apresentassem as propostas finais de reorganização do dispositivo. Quando é que poderemos começar a notar reflexos das mudanças no terreno?
No caso da PSP, há um trabalho bastante adiantado relativamente aos concelhos do Porto e de Lisboa e vai brevemente, no prazo fixado, apresentar propostas no que diz respeito à reestruturação nas áreas metropolitanas. A situação da GNR é diferente, tem mais de 440 postos disseminados pelo país. Numa perspectiva de racionalização obviamente encerrarão postos, mas nunca perdendo de vista que a função que justifica a existência da GNR como força militar e distinta da PSP é a necessidade de termos uma cobertura bastante próxima do conjunto do território, o que implicará sempre uma grande capilaridade da presença da GNR. 440 é certamente um exagero, mas não é de esperar uma redução muito significativa do número de postos. Acho que seria um erro, que afastaria a força das populações. Agora é preciso termos a noção de não confundir proximidade com a existência de um posto, proximidade é termos um policiamento e presença junto das pessoas e a capacidade de responder aos problemas de segurança que se colocam às populações.
Não pode então adiantar já um calendário?
O calendário está fixado, teremos que receber as propostas e depois analisá-las. Algumas das medidas que constam das resoluções, essas, podem desde já ser tomadas. Nas próximas semanas já se verificará uma clarificação, no terreno, das áreas de jurisdição da PSP e da GNR no que diz respeito às freguesias partilhadas. Estamos neste momento a calendarizar as mutações entre a PSP e a GNR, nas áreas metropolitanas, em que há um reajustamento de competências. A reconstituição dos grupos é algo que podemos fazer desde já, não carece de alteração da lei orgânica. Outras alterações só serão possíveis depois da aprovação das novas leis orgânicas, o que passa pela aprovação prévia pela Assembleia da República. É o caso da extinção das brigadas, que são unidades criadas por lei, portanto só por lei podem ser extintas.
As medidas anunciadas causaram alguma perturbação entre altas patentes do exército e da GNR. Houve encontros com o chefe de Estado-Maior do Exército, que se manifestou solidário com os oficiais-generais. Sente que conta com o envolvimento efectivo dos militares da GNR?
Não só conto com o envolvimento institucional da GNR como conto com o empenhamento de todos os militares que servem presentemente a GNR, desde as praças aos srs generais. Eu tive oportunidade de falar não só com os srs. generais, como também reuni com o chefe de Estado-Maior do Exército. Tive oportunidade de explicar de viva voz esta reforma e também de ter em conta o seu ponto de vista.
Mas os pontos de vista convergem?
Nós temos de distinguir quais são as perspectivas das soluções de cada um. Quando apresentamos um conjunto de linhas gerais, é natural que se suscitem dúvidas que só a regulamentação legal virá esclarecer. Nesse quadro legal muitas dúvidas que têm sido suscitadas poderão ser esclarecidas. Por exemplo, uma dúvida que muitas vezes foi levantada é a formação. Houve alguns srs oficiais que pensaram que, quando nós referimos a existência de formações conjuntas ou modelos comuns, que os militares da Guarda deixariam de ser formados na Academia Militar e iriam ser formados numa escola com a Polícia. Não é isso que consta da resolução, já foi explicado e muita dessa primeira apreensão, creio que hoje está ultrapassada.
Estamos a duas semanas da entrega do Relatório Anual de Segurança Interna no Parlamento. Existe já um indicador, a criminalidade participada aumentou cerca de 3%. Quando teremos os dados completos do relatório?
Não vou dizer nada, visto que o Gabinete Coordenador de Segurança ainda não me enviou sequer um projecto desse relatório. Conheço alguns dos relatórios parcelares das forças, mas têm de ser consolidados no relatório final. Está já fixado o calendário das sucessivas reuniões e teríamos gosto se este ano fosse possível cumprir o calendário de entrega à Assembleia da República.
Portanto não vai comentar os números, visto que ainda não os conhece?
Não vou dar palpites sobre os números.
Com a extinção da Brigada de Trânsito, como será assegurada a especialização na fiscalização?
Nós tínhamos um comando-geral que assegurava a unidade do dispositivo territorial e depois tínhamos a triplicação dessas estruturas de apoio, muitas vezes com a Brigada Fiscal e a Brigada de Trânsito. No limite, numa mesma viagem podíamos ser interceptados por três operações diferentes, uma a tratar só de matérias de trânsito, outra só de matérias fiscais e outra de tudo. Com esta extinção, criamos sinergias no funcionamento da Guarda, rentabilizamos o conjunto do dispositivo, mas não iremos perder essa especialização. Por isso iremos ter uma unidade técnica em matéria de trânsito no comando-geral que continuará a formar especialistas em matéria de trânsito, como formamos especialistas em investigação criminal ou como formamos especialistas na protecção da Natureza, sem que isso tenha implicado a criação de uma brigada criminal ou de uma brigada de protecção da natureza. Na mesma operação Stop poderemos ter alguém do dispositivo territorial, alguém do trânsito e até alguém da componente fiscal.
A redução da sinistralidade foi definida como prioridade desde início do mandato. Apesar da descida do número de vítimas em 2006, há no sector a opinião generalizada de que os resultados não se devem a uma política integrada, mas a alguma casualidade. O ano passado foi, aliás, marcado por polémicas em torno dos concursos para acções de prevenção. Reconhece que é uma das áreas sob sua tutela em que mais tem faltado estratégia?
Essa é uma das áreas em que nunca nos podemos dar por satisfeitos. Não obstante uma grande redução quer da sinistralidade, quer do número de mortos e de feridos graves, temos ainda números extremamente elevados para aquilo que é desejável. Esta reforma da Brigada de Trânsito vai permitir rebalancear melhor a fiscalização, que incide hoje muito nas auto-estradas, IP e IC, para as estradas nacionais e municipais, vias onde a taxa de sinistralidade ainda se mantém muito acima da média europeia. O problema estratégico é outro. Houve um plano aprovado, ainda no tempo do anterior Governo, que fixava um conjunto de metas tidas como muito ambiciosas e aquilo que constatámos é que os resultados alcançados excederam em muito as melhores expectativas que se tinham à data da elaboração do plano. O problema estratégico que hoje se põe é a necessidade de termos um novo plano nacional de prevenção rodoviária que actualize as metas e que permita ir mais longe.
Plano que está atrasado, atendendo a que o secretário de Estado tinha anunciado, no Parlamento, que estaria pronto até final do ano passado.
É certo. Já está encomendada a elaboração desse novo plano. É também verdade que nem tudo correu bem no lançamento do concurso. A ideia era virtuosa e continua a ser, no ano passado não correu bem e teve de ser anulado, o concurso este ano já correu melhor e na semana passada já foram apresentados os projectos que surgiram da sociedade civil e ganharam os primeiros apoios para 2007. Espero que a partir deste ano continue a correr bem. O essencial é que possamos assumir o princípio de que os apoios financeiros devem ser feitos de forma transparente, uma inovação essencial. Hoje temos felizmente em Portugal uma multiplicidade de associações que o Governo não pode ignorar e que deve tratar de acordo com o princípio da igualdade.
Voltando ao plano, qual é a data em que espera tê-lo concluído?
Eu preferia não me comprometer com nenhuma data. Sei que a equipa do ISCTE que está a coordenar esse trabalho está a fazer um esforço muito grande de rápida execução, vamos confiar no seu trabalho. Não devemos é ficar imóveis até termos esse plano. Há medidas do anterior que devem continuar a ser executadas e sobretudo não há razão particular de angústia quando o que se verifica em relação ao plano aprovado e em execução é que os resultados excedem as expectativas.
A lei orgânica da ANSR já foi aprovada há dois meses, mas não são conhecidas nem sequer as linhas gerais, o que tem até causado alguma incerteza e saídas de funcionários nas delegações regionais. Com que quadro e em que moldes irá funcionar a futura Autoridade?
Neste momento aguardamos que as leis orgânicas sejam promulgadas pelo sr. presidente da República para podermos dar posse aos dirigentes do ministério. Neste momento está feita a separação das águas entre as competências da DGV que se mantêm e as que transitam para o Ministério das Obras Públicas, estão identificados os meios e recursos, o que nos permitirá concentrar naquilo que tem a ver com segurança rodoviária, com prevenção e fiscalização, em matéria de contra-ordenações.
No ano passado foi criada uma comissão para avaliar e propor um nosso sistema de contra-ordenações. Alguma das recomendações vai ser acolhida?
Não é só da comissão, neste momento já temos o estudo da auditoria, estamos neste momento em fase de elaboração legislativa. Vamos ter um novo sistema de contra-ordenações de trânsito, que vai permitir racionalizar melhor os meios da GNR e da PSP na gestão das contra-ordenações e permitir-nos-á eliminar os pontos de engarrafamento que têm sido responsáveis pelo escândalo nacional que é o nível de prescrições.
A área da imigração foi a única que não foi alvo de estudos externos. Quanto é que o seu ministério já gastou em estudos?
Não sei dizer, no conjunto, quando é que já se gastou em estudos, mas tem sido um custo relativamente moderado tendo o conta o que é o manancial de estudos no conjunto do orçamento geral do Estado. O Governo não deve decidir sem estudar e não deve ter complexos de recorrer a estudos externos, sobretudo num ministério como o da Administração Interna que, tendo 50 mil efectivos, basicamente são todos consumidos na GNR, PSP e SEF. Fora destas três forças são menos de 300 funcionários. O Ministério não desenvolveu um serviço próprio, designadamente um gabinete de estudos. Pela primeira vez, com a nova lei orgânica e com a criação da Direcção-Geral da Administração Interna, vamos ter um centro de produção de conhecimento e de saber, em matéria de segurança interna. Uma das coisas que mais me entristece no tratamento público da questão é não nos habituarmos que estudo significa a análise por uma entidade independente de um problema e a proposta de um conjunto de soluções. Uma vez proposto, quer o Governo, quer as oposições, quer a opinião pública dispõem de mais instrumentos para poderem decidir e avaliar a decisão, mas não quer dizer que seja a prescrição de uma receita médica que nós tenhamos de cumprir com carácter obrigatório e urgente. Seria um disparate se assim acontecesse.
Uma das áreas alvo de estudo foi a Protecção Civil. Apesar de já ter sido aprovada, a lei orgânica da futura Autoridade Nacional tem sido mantida em grande secretismo. O que está a acontecer, quando estamos às portas de mais um período de risco de incêndio?
Não há mistério nenhum. Nós não divulgamos as leis orgânicas enquanto não estiverem promulgadas pelo sr. presidente da República. Não nos podemos nem devemos antecipar ao exercício das competências do sr. presidente da República.
A constituição da Empresa de Meios Aéreos tem tido algumas perturbações, com dificuldades nomeadamente na contratação de pilotos e problemas na certificação dos helicópteros Kamov. Todos os problemas vão estar resolvidos até Maio?
Toda esta operação tem-se desenvolvido em contra-relógio, desde o processo de concurso, da contratação, da construção e aprontamento dos helicópteros... A empresa informou-nos muito recentemente que em Maio iniciará a entrega dos helicópteros. Por outro lado está a decorrer o processo de constituição da empresa e contratação e formação de pilotos. É evidente que não é fácil, porque se trata de um salto qualitativo muito grande. Conhecemos a situação de rigor que o país atravessa em matéria de contratações, portanto não tem sido fácil ao Estado concorrer com o mercado na angariação de pilotos para esta empresa. E estamos a falar de uma fase de transição, visto que a prazo teremos pessoal da GNR formada para operar com os helicópteros.
Dentro de quanto tempo?
Temos aqui um período de transição que vai de um mínimo de três a um máximo de sete anos, para o conjunto das funções. Há funções em que só daqui a três anos teremos militares da Guarda, outras que só daqui a cinco vão ser desempenhadas e as mais exigentes, de comando, só daqui a sete ou oito anos é que teremos militares da Guarda para exercer essa função. Nós não pudemos dispor, foi uma questão muito insistente que a Força Aérea nos colocou, de pilotos da Força Aérea, mesmo dos pilotos da esquadrilha dos helicópteros do Exército, que têm muitos deles aliás boa experiência de combate a incêndios – tenho encontrado, durante o Verão, muitos deles a trabalhar para as empresas privadas que combatem os incêndios florestais.
Quais são então as razões para não poderem operar na Empresa de Meios Aéreos?
Quer o Exército, quer a Força Aérea necessitam desses elementos para a sua própria actividade e não têm condições de os disponibilizar. Portanto nós temos de formar, à parte. O processo não é simples, mas estou confiante que chegaremos à altura de operar os helicópteros com condições para o fazer.
O país viveu meses suspenso da novela de negociação para aquisição de aviões com a empresa Beriev. Soube-se agora que a negociação, ao abrigo da dívida antiga da Federação Russa, se esgotou e vai ser aberto concurso público. Simultaneamente, contudo, o MAI lança um concurso adicional para aluguer de meios adicionais para este ano, à medida da Beriev, já que pede aviões com capacidade para mais de 10 mil litros, ao qual só esta empresa pode responder. Pode explicar os contornos de toda esta situação confusa?
São duas situações distintas. Diversa da aquisição é o reforço dos meios pesados para este ano. Temos um contrato plurianual que nos permitiu alugar dois aviões Canadair e abrimos agora um concurso para aviões com mais de dez mil litros. Não se pode dizer que seja um concurso à medida do Beriev. Temos sido contactados por outras entidades que dizem dispor de outros aviões com essa capacidade. É por isso que não fizemos ajuste directo e formos forçados a abrir concurso. Se só houvesse Beriev, como sempre foi nossa convicção, teríamos feito um ajuste directo.
Que entidades são essas?
Creio que se referem a aviões com capacidade para dez mil litros, mas que não são anfíbios, portanto são operados em terra – tendo a mesma capacidade, em teoria têm um tempo de rotação em terra e abastecimento muito superior ao Beriev. Abrimos o concurso, venha quem vier em condições de desempenhar as missões e adjudicaremos a quem oferecer as melhores condições.
Uma das suas apostas foi a nova Lei da Imigração, que está na Assembleia há quase seis meses. Como está a gerir todo este processo?
A proposta de lei foi aprovada na generalidade, com um consenso político muito amplo, e estão a decorrer os trabalhos na especialidade, na 1ª comissão. Na semana passada terminou o prazo para os diferentes grupos parlamentares apresentarem propostas de alteração na especialidade. Tem havido contacto com o sr. secretário de Estado José Magalhães, dos grupos parlamentares, tendo em vista a melhoria da lei. A imigração é uma matéria em relação à qual não seria desejável que fosse uma temática de confrontação política. O nosso esforço é para termos um bom consenso.
Mas o seu objectivo seria ter esta lei em vigor quando Portugal assumir a presidência da União Europeia?
Gostaríamos. Por outro lado temos aproveitado este período de trabalho parlamentar para irmos criando as condições materiais para uma imediata execução e aplicação da lei, não estamos com tempo perdido. Não podemos nem devemos pressionar os trabalhos, e creio que mais importante do que saber se é aprovada em um ou em dois meses é que seja aprovada uma boa lei, com amplo consenso.
Está concluído o plano de contingência para a costa portuguesa, que visa responder a uma eventual afluência de imigrantes clandestinos. Que tipo de respostas e mecanismos prevê?
É um plano integrado, começa com uma parte de informações essenciais à prevenção do que possa acontecer, de relacionamento com países de origem e trânsito, para detecção atempada de qualquer sinal que devamos ter em conta. Tem depois uma segunda dimensão, que tem a ver com a forma como devemos bloquear o acesso à fronteira marítima ou acolher, em situações de risco humanitário, as pessoas que sejam encontradas nas nossas águas territoriais ou próximo. Tem depois uma terceira dimensão que tem a ver com o acolhimento já em terra. Portanto uma dimensão verdadeiramente policial e também uma dimensão humanitária, porque o que temos visto noutros países é que são pessoas que se encontram por norma numa situação de grande fragilidade física, psíquica e social.
As associações de imigrantes e ONG já têm conhecimento do plano?
Não, estamos na fase de afinar a articulação entre as entidades da Administração Central, há agora que articular com as entidades municipais e com as entidades da sociedade civil. Temos tido aliás boas experiências de colaboração com a sociedade civil e julgamos que é uma boa prática a desenvolver a nível europeu. Temos de ter a noção de que quem é criminoso na imigração ilegal são as redes que auxiliam, o criminoso não é quem imigra. Pode ter violado a lei, mas tem de ser tratado no escrupuloso respeito pelos direitos humanos e pela sua dignidade.
O Governo vai entrar na segunda metade do mandato com a maioria das reformas por concluir, nomeadamente a da Administração Pública. Que implicações pode ter esse atraso e como perspectiva a consolidação das reformas, numa fase naturalmente mais difícil para o Executivo?
O primeiro-ministro já deu um sinal claro de que, estando nós a chegar a dois anos de mandato - não diria ao meio do mandato, porque esta legislatura é de quatro anos e meio -, o Governo não quebrou o seu espírito reformista. Há 15 dias o primeiro-ministro anunciou uma grande reforma de segurança interna, na semana passada o ministro das Finanças pôde anunciar a do regime de carreiras e vínculos na Função Pública. Portanto o Governo não dá por encerrado o seu empenho reformista nesta primeira metade do mandato, não tenhamos essa ilusão. Em segundo lugar, a reforma do Estado faz-se em diferentes dimensões. Há uma dimensão orgânica e o Governo já concluiu, ao seu nível, todo o processo de revisão das leis orgânicas, temos agora a fase muito difícil da sua aplicação e implementação. É um processo que vamos prosseguir, a par da chave da sustentabilidade da reforma da Função Pública, que tem a ver com a simplificação administrativa e dos procedimentos, sem a qual toda esta cura de emagrecimento orgânico rapidamente dará lugar a uma engorda rápida.
O estado de graça deste Governo já terminou, como é natural. Como comenta a maior manifestação dos últimos anos, que saiu à rua há pouco mais de uma semana?
Esse tema dos estados de graça é dos mais curiosos da Comunicação Social, porque a verdade é que desde quase o primeiro dia que este Governo tomou posse e começou a fazer reformas tem sido confrontado com grandes manifestações. Só na Administração Interna tivemos logo nos primeiros dias de mandato duas grandes manifestações com mais de cinco mil homens, da PSP e da GNR, quando foi a reforma do sistema de saúde e da segurança social e da aposentação dos elementos das forças de segurança. Num estado democrático é normal haver manifestações. O Governo deve ter em conta obviamente esses sinais da opinião pública, mas deve manter-se firme na execução do seu programa e das reformas que tem em curso.
A partir de 1 de Julho o primeiro-ministro vai andar necessariamente ausente nos Estados-membros, já que Portugal assume a presidência da União Europeia. Como pensa, nessas ausências, liderar o Executivo, tendo já um ministério tão vasto e um período crítico de incêndios pela frente?
O primeiro-ministro é o engenheiro José Sócrates e eu irei apenas substituí-lo nas suas ausências, quando ele entender que deva ser eu a fazer essa missão. A presidência portuguesa não vai ser um momento de interrupção da acção governativa, não há um intervalo durante seis meses, ninguém pensaria o contrário. Eu no Verão tenho estado mais disponível por uma razão óbvia: como é sabido o ministro da Administração Interna não pode fazer férias durante os meses de Verão, porque apesar de não haver época oficial de incêndios há obviamente uma situação de maior risco nessa altura, portanto tive de reorganizar a minha vida pessoal e familiar para fazer férias noutras épocas do ano.
Não está prevista qualquer reorganização interna para o período da presidência portuguesa?
Não, não está prevista. O primeiro-ministro manterá o exercício pleno das suas funções.
Já se percebeu que não haverá intenção de remodelações antes da presidência da União Europeia. Depois desta terminar seria um bom ‘timing’?
Essa é uma matéria a que só o primeiro-ministro pode responder. Ele é que sabe, é uma matéria da competência exclusiva do primeiro-ministro. Quem julga poder opinar sobre isso, provavelmente engana-se.
Considera inevitável a realização de eleições intercalares na câmara de Lisboa? Como tem assistido ao facto de o seu nome ser insistentemente apontado como aposta do partido socialista para uma eventual corrida à câmara da capital?
Neste momento tenho uma missão que me exige uma concentração a 150% e é nesses 150% que estou concentrado, tendo neste momento lançada uma grande reforma do sistema de segurança interna, a concluir um processo de reforma na protecção civil, aproximam-se os meses de Verão, que certamente serão muito duros, temos nova legislação em fase de conclusão, temos a modernização da Administração Pública, não faltam matérias muito interessantes que me apaixonam e que mobilizam todas as minhas energias.
Mas perante um cenário em que o secretário-geral do PS lhe pedisse, estaria disponível?
Não há espaço para cenários, neste momento. Além do mais, a Câmara de Lisboa tem um presidente que está a cumprir o exercício das suas funções e eu sobre essa matéria não devo sequer falar, tendo eu nas minhas competências a tutela das autarquias locais. Gostaria de sinalizar que tenho mantido sempre um excelente relacionamento com a Câmara de Lisboa e com o seu presidente, Carmona Rodrigues.
Os partidos à Direita vivem um momento de agitação, com o regresso anunciado de Paulo Portas e movimentações de Pedro Santana Lopes. Como é que se assiste, no poder, a estas mudanças do lado da Oposição?
Vou assistindo como sinal de algum esgotamento à Direita que as tentativas de renovação à Direita sejam simplesmente o regresso de dois grandes derrotados das últimas eleições legislativas. Acho um sinal até preocupante de alguma incapacidade de renovação dos partidos à nossa Direita. Ver o dr. Portas como uma lufada de ar fresco ou como um sinal de renovação do CDS/PP só pode ser mesmo um sketch do “Gato Fedorento”, é altamente risível a atribuição desse papel de renovador ao dr. Portas. Convém não esquecer: é uma personificação do fracasso da estratégia governativa conduzida durante três anos pela maioria CDS-PSD.
Seria desejável para o Governo ter uma Oposição forte, que estimulasse e motivasse a governação e execução dos seus programas?
Este Governo sente-se suficientemente motivado pelos problemas que existem e que tem de enfrentar e resolver. Há uma crítica que nunca vi ninguém fazer e que seria injusto fazer: que é este Governo ter falta de vontade de atacar e resolver os problemas. Os regimes democráticos pressupõem oposições fortes, mas também devo dizer que desde 87 até agora, para além do estado de graça há outra figura que permanece constante na vida política portuguesa, que é a fragilidade das oposições. Já tivemos as pessoas mais extraordinárias como líderes da Oposição, desde o dr. Vítor Constâncio ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa e sempre a retórica foi a mesma, que as oposições eram fracas, eram más. O país ainda está excessivamente fixado no endeusamento de quem está no poder e isso acontece sempre assim até à véspera daquele dia em que se constata que houve uma mudança. Eu acho que não devemos nunca desvalorizar as oposições. Eu sei bem que quando se está na oposição se ouve sempre dizer essas coisas, até ao dia em que, para surpresa dos analistas, o povo acaba por escolher a oposição. Creio que não estamos nesse cenário, mas devo dizer que a função política mais exigente que existe em Portugal é tentar liderar a oposição.
Fonte: Entrevista JN/Antena 1 ,Inês Cardoso e Patrícia Cerdeira (texto) João Girão (foto)
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