Com mais carvalhos há menos fogos
Henrique Pereira, director do Parque nacional da peneda-gerês, diz que a protecção da natureza não é incompatível com o turismo. Pensa que reflorestar agora o Mezio seria um erro e assegura que não falta dinheiro para o essencial no Parque Nacional. Acha também que tudo vai melhorar com as reformas em curso
- Correio da Manhã – Meio ano depois do grande incêndio do Mezio, no Soajo, ainda nem uma árvore foi plantada. Porquê?
Henrique Pereira – Porque fazê-lo agora seria um erro e um desperdício de dinheiros públicos. Dizem os especialistas que não se deve fazer reflorestação logo no Inverno ou Primavera seguintes. É que, ao reflorestar, pode estar a plantar-se árvores em local propício para a chamada regeneração natural, que é sempre melhor do que a colocação de plantas pelo homem. Está a gastar-se dinheiro desnecessariamente, porque está a plantar-se onde já há plantas novas e, por outro lado, com a abertura de buracos e intervenção de máquinas, está a estragar-se o que é natural. Assim, no caso concreto do Mezio, por exemplo, só no próximo Inverno poderemos aferir onde há regeneração natural e onde são necessários planos de reflorestação.- Mas o Parque tem planos de reflorestação em curso?- Tem. Há um, por exemplo, de plantação de carvalhal em zona de baldios, numa área global de mais de cem hectares. Está orçado em cerca de 200 mil euros.- O Verão passado foi particularmente trágico para a floresta do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Estão preparados para enfrentar os dias quentes de 2007?- Antes de mais, gostava de dizer-lhe que o Verão foi trágico para o Parque como foi para todo o País. Aliás, na semana do incêndio do Mezio havia dezenas de fogos só no distrito de Viana do Castelo. No entanto, estamos a apostar fortemente na prevenção. Vamos ter 16 brigadas (80 homens) no terreno, em acções de vigilância e primeira intervenção e teremos uma central de operações a funcionar 24 horas por dia e com ligação directa aos centros de coordenação operacional dos três distritos que o Parque abrange: Viana do Castelo, Braga e Vila Real.- Há alguma forma de começar a fazer com que os incêndios diminuam no nosso país?- A única forma que conheço é aumentar à área do carvalhal. Demora anos a implementar, mas penso que é inevitável. Só haverá menos fogos quando tivermos muitos mais e mais extensos carvalhais.- O PNPG vai ter um novo plano de ordenamento. O anterior, de 95, já não serve?- Ao contrário do que se possa pensar, uma reserva natural não é uma coisa estática e há muitos dados novos a precisarem de regulamentação.- Como por exemplo?- A extracção de inertes, que é nesta altura o maior cancro do Parque Nacional, com saibreiras e pedreiras em vários sítios, sem obedecer a qualquer critério; as eólicas, que não são muito compatíveis com as especificidades de um parque com áreas de reserva integral; e a própria questão do turismo, que não conta com qualquer regulamentação e está a causar grandes prejuízos aos moradores.- Quando fala em prejuízos quer dizer que o Parque Nacional de-ve apostar mais no turismo?- Sem dúvida. O Parque tem de ser um espaço aberto ao turismo de natureza, com particular destaque para o pedestrianismo e para os desportos náuticos não motorizados.- Nas barragens?- A nossa intenção é que nas barragens de Touvedo, Alto do Lindoso e Vilarinho da Furna possa praticar-se canoagem e outros desportos não motorizados, que não têm impacto praticamente nenhum no meio ambiente e podem tornar-se um importante catalisador turístico.- E também haverá regulamento para quem quiser fazer caminhadas na serra?- Sim. O plano está ainda em discussão. Só deve passar para a fase de consulta pública em finais deste ano, mas queremos regulamentar e ao mesmo tempo criar condições para as caminhadas. As seis portas que estão previstas para o Parque (Montalegre, Paradela, S. João do Campo, Mezio, Lindoso e Lamas de Mouro) terão aqui uma função importante. O grupo que pretenda realizar a caminhada tem de tirar uma licença que lhe vai permitir fazer o percurso e, se pretender, montar uma tenda e pernoitar. Assim, poderemos evitar grandes enchentes em determinadas zonas e, ao mesmo tempo, criar algumas receitas.- Falou da extracção de inertes como um cancro, mas as populações queixam-se das restrições. Como pensa gerir este conflito?- Já disse aos autarcas que o assunto vai ser regulamentado e pedi-lhes que, até lá, não fizessem extracção de saibro ou pedra. Isso gerou algum desconforto, mas acabaram por perceber que o assunto tem de ser resolvido e que estamos a tentar fazê-lo. Temos um geólogo a fazer um levantamento de todas as zonas onde poderá fazer-se a extracção, mas num determinado prazo e com a obrigatoriedade de, logo que o prazo termine, proceder à recuperação ambiental da pedreira ou da saibreira.- As populações (cerca de 11 mil pessoas) das 24 freguesias (90 aldeias) que integram o PNPG são prejudicadas por integrar uma área natural?- Acho que não. Penso, aliás, que vivem bem melhor do que as populações que estão fora do Parque. Veja o que se passa, por exemplo, com os baldios, que agora vão receber verbas pela manutenção florestal; veja também o facto de muitas das aldeias terem sido as primeiras dos seus concelhos a ter saneamento básico e toda a qualidade de vida que é proporcionada por integrarem o Parque. Penso que, colocadas na balança as vantagens e as desvantagens, a população fica claramente a ganhar.- Ouvem-se por vezes queixas dos pastores, de que as indemnizações do lobo não estão a ser pagas. Como está esse processo?- Acabámos há pouco de pagar todas as dívidas relativas a 2005 e contamos, em breve, liquidar o primeiro semestre de 2006. Digamos que os pagamentos estão com um atraso de um ano, o que, em abono da verdade, não é muito significativo, porque entre o ataque e o pagamento decorre um processo.- Quanto é que o Parque paga, em média, pelas indemnizações?- Cerca de 300 mil euros por ano.- O novo plano de ordenamento traz algo de novo em relação às espécies ameaçadas?- Muito. O lobo é um caso, apesar de estar a ser um sucesso, mas queremos promover o regresso da águia real (só há uma fêmea) e consolidar a expansão da cabra brava, que já conta com cerca de cem indivíduos.- Existe a ideia de que o PNPG não tem dinheiro para as actividades correntes. É verdade?- Não. Este ano sofremos, de facto, um corte assinalável ao nível das despesas de investimento, mas que têm a ver com as alterações em curso nas estruturas do Ministério do Ambiente, nomeadamente no Instituto de Conservação da Natureza. Mas, ao nível do orçamento para as despesas correntes, até houve um aumento. Posso afirmar-lhe que, pelo menos desde Junho do ano passado, nunca um carro ficou parado por falta de combustível, como chegou a ser noticiado. PERFILHenrique Miguel Pereira, 34 anos, doutorado em Biologia pela Universidade de Stanford, tomou posse a 9 de Junho de 2006 do cargo de director do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Oriundo de uma família de Guimarães, passou toda a infância e juventude em Lisboa, tendo feito a licenciatura no Instituto Superior Técnico. É casado, tem dois filhos e é o primeiro director com casa no Parque.REFORMA DO ICN VAI AVANÇAR ESTE ANOO Instituto de Conservação da Natureza (ICN) vai passar a chamar-se Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB). Mas não se trata apenas de uma mudança de nome. A ideia é fazer mais com menos, através da agilização de processos, diminuição da burocracia e aplicação dos meios informáticos. O director do PNPG, Henrique Pereira, está optimista e considera que estamos perante “o muito esperado ressuscitar do Instituto de Conservação da Natureza”. No âmbito dessa reforma, vão nascer os agrupamentos de áreas protegidas. No caso do Gerês, vai integrar os parques de Montanha, com o Alvão, Montesinho e Corno do Bico. PREVENÇÃOPrevenção. Com o objectivo claro de prevenir os incêndios no Parque Nacional, no próximo Verão vão estar no terreno 16 brigadas de sapadores (80 homens) com ligação a uma central, que estará em funcionamento 24 horas por dia, de Maio a Outubro."QUEREMOS CLARIFICAR O MEGALITISMO"- CM – O Parque Nacional não é apenas um santuário natural. É também importante em termos históricos e arqueológicos. O novo plano tem isso em conta?- H.P. – Tem e de forma destacada. Depois do que se fez em relação à Geira Romana, que já foi classificada como monumento nacional, queremos agora dirigir esforços para a classificação do megalitismo, nomeadamente do planalto de Castro Laboreiro.- Tem umas dezenas de gravuras e outros elementos?- Os levantamentos que existem dão conta de mais de uma centena de gravuras, mas os nossos técnicos dizem que ainda há muito trabalho a fazer. E não podemos esquecer a estação de Gião, onde existem das antas mais interessantes do País.- E os castelos medievais vão ser valorizados?- Vão. O castelo do Lindoso vai ser uma das portas do Parque, o que tem um grande simbolismo. Quanto ao castelo de Castro Laboreiro, é um dos melhores miradouros de Portugal, mas continuará a ter acesso pedonal. Por uma questão de preservação.
Fonte: Correio da Manhã
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